TRADIÇÕES REGIONAIS PRESERVADAS E VALORIZADAS

Indicações Geográficas reconhecem produtos únicos e gera renda a pequenos negócios

Edmar Busato, a esposa Sônia e o filho Igor produzem café arábica nas montanhas do Espírito Santo

Texto: Julio Huber / Fotos: Julio Huber

Publicado em 02/06/2024 às 19:26

O cheirinho de um café especial, que agrada o paladar. O prazer de degustar um queijo e uma fatia de socol, acompanhados de uma taça de vinho ou espumante. Esses sabores e aromas podem ficar eternizados na memória e se tornarem recordações, que geram sentimentos únicos, assim como esses produtos, cada um com suas características, o chamado terroir.

A arte do saber fazer, a tradição na elaboração de receitas típicas regionais e a história por trás de produtos com seus sabores singulares, feitos pelas mãos de pequenos produtores e produtoras, agregam valor a itens que são responsáveis pela renda de milhões de pessoas em todo o Brasil. E tudo isso está sendo cada vez mais valorizado e ganhando reconhecimento por só existir em um determinado local ou região do mundo.

Com o objetivo de dar segurança aos pequenos produtores e consumidores e garantir a qualidade - destacando cada vez mais esses produtos e serviços únicos - têm crescido no Brasil, nos últimos anos, os registros de Indicação Geográfica (IG), título concedido pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) a associações, cooperativas e organizações que passam a ter a chancela de usar esses registros em produtos e serviços feitos por seus integrantes.

No país, o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) é o responsável por coordenar esse trabalho de valorização e reconhecimento. E o resultado, além de eternizar a origem, é também agregar valor e contribuir para o desenvolvimento de pequenos negócios, além de estimular a economia nas mais diversas regiões brasileiras.

“A IG pode aumentar o valor de um produto em até 50%. Não há limites para essa agregação de valor, pois está muito relacionada à percepção de valor pelo consumidor final e há muitas variáveis envolvidas. Nesse sentido, o principal benefício para o produtor é, sem dúvidas, financeiro”, afirma a gerente da Unidade de Competitividade e Produtividade do Sebrae do Espírito Santo, Christiane Barbosa e Castro.

Diversos outros benefícios podem ser percebidos a partir do vínculo criado entre o produto e sua região de origem. “Esse vínculo atrai turistas, visibilidade e demanda para a região, traz melhoria das práticas de produção e comercialização do produto e reflete na gastronomia, visto que as IGs de alimentos passam a compor pratos com toda a história por trás daquele alimento. Também fortalece o comércio e serviços, pois há uma série de possíveis canais de comercialização e distribuição desses produtos. Os benefícios são tantos e tão distintos, que alguns estudos já citam mais de 30 indicadores sociais e econômicos decorrentes da IG”, acrescenta Christiane.

Para o diretor-executivo do Sistema OCB/ES, Carlos André Santos de Oliveira, a IG agrega valor principalmente aos pequenos negócios, proporcionando visibilidade e diversos benefícios para o pequeno produtor. “A competitividade resultante das IGs impulsiona o comércio e as negociações de valor agregado, beneficiando toda a cadeia produtiva, desde o produtor até o consumidor final. Ao destacar a qualidade e a origem exclusiva dos produtos, as IGs ajudam os pequenos produtores a se diferenciarem no mercado, promovendo um crescimento sustentável e fortalecendo as economias locais. Isso, por sua vez, atrai consumidores interessados em produtos autênticos e de alta qualidade, estimulando tanto o consumo interno, quanto as exportações”, enfatizou.

Indicações Geográficas nasceram na Europa

Foto: Freepik

Vinho do Porto

O Vinho do Porto, de Portugal, é um exemplo de produto com Indicação Geográfica

Mas, afinal, o que são Indicações Geográficas? Para exemplificar, quem nunca ouviu falar na Champagne e no vinho de Bordeaux, da França; no Vinho do Porto, de Portugal e no presunto de Parma, da Itália? Esses são exemplos de produtos únicos, que só podem levar esses nomes aqueles produzidos em sua região de origem delimitada.

Portanto, as Indicações Geográficas são associadas à qualidade ou à maneira singular de se fazer um produto ou serviço. Pode ser pela tradição da região, pela técnica ou por alguma matéria-prima que só exista neste local. O principal objetivo é promover a história e a cultura de uma região. E isso é intransferível.

As Indicações Geográficas preservam o conhecimento ou os recursos naturais, trazendo uma importante contribuição para a economia de suas regiões. Um exemplo é Champagne, cidade que deu nome à bebida, e que recebe milhões de turistas que vão à França, promovendo turismo e gerando outras receitas para a cidade.

A coordenadora de Negócios de Base Tecnológica e Propriedade Intelectual do Sebrae Nacional, Hulda Giesbrecht, explica mais, no vídeo abaixo, sobre o conceito da IG. Além disso, ela fala da importância dos produtos de Indicação Geográfica para o incremento da renda das famílias. Clique e assista!

Imagens: Julio Huber - Edição: Bruno Faustino

Hulda complementa dizendo que as IGs são um mecanismo coletivo para desenvolver as regiões nos pilares econômico, social e ambiental. “A conservação das condições ambientais é um fator fundamental para manter as características e a qualidade do produto, que foram os diferenciais para seu reconhecimento como IG. Desenvolver um ambiente de compartilhamento entre essas pessoas para empreender junto é a base do desenvolvimento social na região. Consequentemente, o retorno econômico vem com o incremento de vendas e com a agregação de valor ao produto, que são os impulsionadores do desenvolvimento econômico na região”, afirma.

Sudeste lidera número de IGs no Brasil

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A IG de Indicação de Procedência do Vale dos Vinhedos para vinhos e espumantes foi a primeira reconhecida no Brasil

Atualmente, o Brasil possui 114 Indicações Geográficas, nas modalidades de Indicação de Procedência (IP) e de Denominação de Origem (DO), sendo que o Sudeste possui 42 IGs. Minas Gerais lidera a lista, com 20 registros, seguido do Rio Grande do Sul, com 14. Paraná é o estado com a 3ª maior quantidade de IGs (13). O Espírito Santo é o quarto estado em número de IGs (10). Santa Catarina fecha a lista dos cinco estados com maior reconhecimento, com oito IGs.

A primeira Indicação Geográfica concedida no Brasil pelo INPI foi a Indicação de Procedência do Vale dos Vinhedos, no Rio Grande do Sul, para vinhos e espumantes, em 19 de novembro de 2002.

“O Sebrae sempre apoia os produtores na identificação do potencial de uma região para ser reconhecida como IG, assim como na estruturação da Indicação Geográfica para depósito do pedido de registro junto ao INPI, que se inicia com a capacitação dos produtores sobre os conceitos da IG, sobre a atuação de forma coletiva e sobre o processo de funcionamento da IG”, explicou Hulda Giesbrecht.

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A região do Cerrado Mineiro conquistou a primeira IG para café no Brasil, concedido em 14 de abril de 2025 para o Consórcio das Associações dos Cafeicultores do Cerrado (CACCER). O gerente da Unidade Regional da Noroeste e Alto Paranaíba do Sebrae/MG, Marcos Geraldo Alves, falou com a reportagem do portal Negócio Rural sobre os avanços para os cafeicultores após o reconhecimento da IG. Assista abaixo a entrevista.

Imagens: Julio Huber - Edição: Bruno Faustino

Socol: receita trazida dos imigrantes italianos ganha fama no Espírito Santo

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A IG do socol de Venda Nova do Imigrante é concedida a sete famílias do município

Nas montanhas do Espírito Santo, famílias de imigrantes italianos preservam uma tradição gastronômica trazida da região do Veneto, na Itália, por seus antepassados. Trata-se do socol, um embutido de carne suína, salgado e maturado. No município de Venda Nova do Imigrante, a iguaria era produzida inicialmente para consumo familiar como parte da tradição desse grupo de imigrantes.

Com o tempo, a produção ganhou escala comercial, tornando-se uma atividade geradora de renda para essas famílias e hoje é considerado um dos símbolos da cultura e da identidade local, estimulando, inclusive, o agroturismo, já que a cidade é reconhecida oficialmente como a Capital Nacional do Agroturismo, título concedido por meio de uma lei federal.

RECONHECIMENTO - Diante de suas características únicas, em 12 de junho de 2018 foi concedido o registro de IG para o socol, depois de um trabalho intenso para que a produção atendesse a uma série de exigências, sobretudo regras sanitárias, já que se trata de um produto de origem animal. Nesse processo, participaram, além do Sebrae, o Instituto Capixaba de Assistência Técnica e Extensão Rural (Incaper), o Instituto de Defesa Agropecuária e Florestal (Idaf), o Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes), entre outros.

“Eu estava em uma reunião no Sebrae e falaram que o socol poderia ser reconhecido com uma IG. Esse assunto era novo e ninguém sabia ao certo por onde começar. Eu dei entrada a um pedido formal, representando entidades da região, e então começou a luta para o reconhecimento da IG”, contou Leandro Carnielli, presidente da Associação dos Produtores de Socol de Venda Nova do Imigrante (Assocol), entidade que tem a chancela da IG e que agrega os sete produtores que possuem autorização para usar o registro em seus produtos.

Leandro conta que atualmente o produto é comercializado para todo o Brasil, mas nem sempre foi assim. Antes da IG, apenas três produtores poderiam comercializar a iguaria no Estado, que era registrado como “lombo suíno salgado dessecado”. Após adequações exigidas nas instalações e um amplo trabalho necessário para o registro da IG, o socol obteve o primeiro Selo Arte do Brasil. Esse certificado é dado a produtos com reconhecimento de identidade e qualidade, que possibilita o comércio nacional de itens alimentícios elaborados de forma artesanal.

“Turistas chegam em busca do socol”

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Leandro e o filho Lorenzo Carnielli atendem turistas na loja de produtos de agroturismo da família

Filho de Leandro Carnielli, Lorenzo Zandonadi Carnielli, 37, voltou para a propriedade, após passar anos trabalhando no Nordeste brasileiro, e hoje quer seguir com o negócio familiar. Eles possuem uma lojinha de agroturismo na propriedade, que atende a turistas do Brasil e do exterior, e onde vendem, além do socol, inúmeros outros produtos feitos por eles, como queijos premiados, cafés, antepastos, biscoitos, entre outros, e também produtos de vizinhos.

Lorenzo é a 5ª geração da família. Ele contou que saiu da propriedade para estudar. Após se formar em engenharia de produção, foi trabalhar em uma empresa elétrica em Sergipe, mas abandonou tudo e há três anos está integrado nos trabalhos da propriedade. “Me envolvo bastante na produção, até por conta da minha formação. É possível manter a receita original e agregar técnicas de segurança alimentar e dar agilidade em processos”, informou.

Ele lembra que quando tinha 15 anos de idade, o objetivo da receita familiar era para conservar a carne do porco. No vídeo abaixo, Lorenzo explica mais sobre o socol, e também fala da importância da Indicação Geográfica para o turismo das montanhas do Espírito Santo. Assista abaixo a entrevista concedida por ele ao portal Negócio Rural, quando ele participava de um evento voltado para IGs em Gramado (RS).

Imagens: Julio Huber - Edição: Bruno Faustino

“Os turistas chegam falando que querem provar o socol. Teve um professor universitário do Rio de Janeiro que veio com a esposa para a região por causa do socol. E quando se faz turismo, é preciso ter coisas complementares. Esse turista do Rio de Janeiro, por exemplo, consumiu na região, se hospedou, se alimentou. Ou seja, movimentou a economia local”, afirmou.

Além do aumento da procura, a iguaria teve seu preço mais que dobrado após a crescente demanda. “A minha volta para a propriedade é um exemplo, pois hoje dá para viver da nossa produção, mas se fosse como antigamente, eu não teria voltado. A agricultura na região de montanhas vai ser cada vez mais cara e a mão de obra é escassa. É preciso procurar uma forma de valorização dos produtos”, afirmou Lorenzo.

A gerente da Unidade Regional Serrana do Sebrae do Espírito Santo, Patrícia Cangussu, informou que o socol teve seu valor triplicado após o reconhecimento da IG. “Mesmo com o aumento do valor, não tem produto suficiente para atender a demanda. Além de preservar a arte de saber fazer, valoriza a cultura local e dá uma visibilidade turística para a região”, disse.

Receita de família vira negócio e atrai turistas para propriedade

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Thais e o marido Rafael se dedicam exclusivamente à produção de socol e ao atendimento aos turistas

Quarta geração da família Falqueto na produção de socol em Venda Nova do Imigrante, Thais Falqueto, 31, se dedica exclusivamente, juntamente com o marido Rafael Angelete de Souza, 37, na produção da iguaria. Ela cresceu vendo o avô e o pai produzindo o socol e resolveu transformar em negócio o aperitivo que até então era compartilhado em festas familiares. A marca Tio Vé é uma homenagem ao apelido do pai dela, Elvécio.

“Vendemos o socol há mais de 30 anos, mas com o aumento da procura, passamos a vender na feira livre da cidade e, há cerca de 10 anos, montamos nosso empório e passamos a atender turistas na propriedade. Esse espaço onde atendemos os clientes diariamente foi construído pelo meu pai para receber a família, que é grande, são mais de 100 pessoas. Meus primos e parentes começaram a comprar e vimos a necessidade de investir em uma estrutura para receber turistas”, explicou.

Thais contou que após o reconhecimento da IG, a procura cresceu, a ponto de eles ficarem sem o produto por quase dois meses, pois a demanda foi maior que o normal. Os turistas são do Brasil e até do exterior. “Tivemos que aumentar a produção e conseguimos valorizar mais. O socol ficou mais conhecido e os turistas já chegam pedindo para prová-lo”, contou.

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O casal pretende criar uma cervejaria no local para atender os visitantes

Devido a procura crescente, Thais e o marido passaram a oferecer outros produtos aos clientes. “Foi através da procura pelo socol que passamos a produzir outros itens, como geleias e antepastos. Agora estamos resgatando receitas antigas de família para começar a produzir. Tudo isso devido a procura pelo socol”, garantiu.

Formado em enfermagem, Rafael Angelete de Souza, marido de Thais, contou que abandonou a profissão para se dedicar ao socol e no atendimento aos turistas. Os planos do casal não param. Eles disseram que pensam em montar uma cervejaria, que será mais uma atração para os visitantes. “Estamos investindo cada vez mais aqui para receber os turistas, principalmente depois da IG. Antes produzíamos de 100 a 150 quilos por semana, hoje chegamos a vender 400. A procura aumentou e vamos ampliar os negócios”, conclui Rafael.

Representante da Itália fala das IGs e da valorização do socol

A reportagem do portal Negócio Rural foi até Gramado, no Rio Grande do Sul, para participar do evento Connection Terroirs do Brasil. Com foco em produtos de Indicação Geográficas do país, o evento convidou pessoas que são referências no assunto. Na ocasião, o diretor-geral para o Brasil da ITA (Italian Trade Agency), Ferdinando Fiori, falou sobre as IGs da Itália, bem como sobre a importância para o consumidor em adquirir um produto com a IG. Além disso, ele comentou sobre o reconhecimento do socol, produto trazido pelos imigrantes italianos ao Brasil. Assista abaixo a entrevista.

Imagens: Julio Huber - Edição: Bruno Faustino

Cooperativas se unem e conseguem a IG do café conilon do Espírito Santo

O café conilon produzido no Espírito Santo é ainda mais valorizado com o reconhecimento da IG

Não é novidade que a agricultura familiar é um os pilares da produção de alimentos no Brasil. Pelas mãos dos pequenos agricultores e agricultoras são colhidos milhões de sacas de café, o que coloca o país como o maior produtor mundial do grão, representando cerca de 38% da produção global.

Na safra 2024, segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), a expectativa é colher 42,11 milhões de sacas de café arábica e cerca de 16,71 milhões de cafés canéforas (conilon e robusta). A produção nacional deverá ser de 58,81 milhões de sacas.

Dados recentes apontam que 20% do café brasileiro exportado são de grãos especiais. E segundo a Organização Internacional do Café (OIC), hoje o Brasil já é o maior fornecedor mundial de cafés a partir de 80 pontos, produzidos com responsabilidade social e ambiental.

COOPERAÇÃO - E para agregar ainda mais valor e reconhecer o esforço de cafeicultores em produzir esses cafés especiais, as Indicações Geográficas estão trazendo mais uma perspectiva de negócios para os produtores. No Espírito Santo, quatro cooperativas se uniram e criaram a Federação dos Cafés do Estado do Espírito Santo (Fecafés), cujo principal objetivo foi o reconhecimento da IG para o café conilon do Espírito Santo.

Unidas, a Cooperativa Agrária de Cafeicultores de São Gabriel (Cooabriel), a Nater Coop, a Cooperativa dos Cafeicultores do Sul do Estado do Espírito Santo (Cafesul) e a Cooperativa dos Produtores Agropecuários da Bacia do Cricaré (Coopbac) obtiveram, por meio da Fecafés, em 11 de maio de 2021, o reconhecimento da IG.

O analista de Desenvolvimento Cooperativista do Sistema OCB/ES, Vinícius Schiavo, destacou que as cooperativas desempenham várias funções essenciais, ajustando e adequando processos, identificando produtores associados e estabelecendo os critérios para a concessão de selos de qualidade, como um papel importante para a obtenção até a gestão de uma IG.

“A concessão do registro de IG agrega valor aos produtos, aumentando o potencial de crescimento dos produtores cooperados e posicionando as cooperativas em um nível superior. O modelo de negócio cooperativista se torna ainda mais robusto e consolidado, evidenciando a qualidade dos produtos e garantindo a autenticidade de suas origens. Cria um conceito sólido que gera diferença significativa para os cooperados, proporcionando proteção aos cafeicultores e garantindo qualidade aos consumidores”, enfatiza o diretor-executivo do Sistema OCB/ES, Carlos André Santos de Oliveira.

Cooperativa exporta conilon com IG com valor agregado

Propriedade Luiz Cláudio de Souza - Cafesul - Muqui (ES) (4)

Um exemplo dos benefícios de uma IG é comprovado pela Nater Coop, que já exporta o conilon do Espírito Santo com Indicação de Procedência. O gerente executivo de Agro Mercado da cooperativa, Giliarde Cardoso, contou que a primeira exportação foi feita para a Itália, no segundo semestre de 2022.

“A IG contribuiu para um maior reconhecimento do café conilon capixaba, agregando valor, que foi percebido pelos clientes devido à rastreabilidade e qualidade do produto. Essa valorização tem ajudado a expandir os mercados, tanto nacional quanto internacionalmente. O selo de IG protege o trabalho de qualidade dos produtores em suas regiões, impedindo plágios e proporcionando um reconhecimento significativo”, afirma o profissional.

Giliarde explica que a Fecafés coordena o processo de liberação do selo de IG, e as cooperativas são os vetores desse processo. “Cada cooperativa pode emitir o selo para qualquer cooperado que atenda a três requisitos básicos: estar dentro da área delimitada, comprovar sustentabilidade e garantir que o café tenha pontuação acima de 80”, contou.

Para produtores independentes, que não integram as quatro cooperativas, a federação, em parceria com o Incaper, está auxiliando o acesso ao selo. Esses produtores poderão obter o selo desde que possuam alguma certificação de sustentabilidade e realizem o cadastro na plataforma adequada através de uma cooperativa local ou do Incaper.

“Este modelo permite uma maior abrangência. Essa IG possui a maior área de atuação de uma Indicação Geográfica no Brasil. Contudo, cooperados possuem uma vantagem, pois o processo é acelerado dentro das cooperativas”, lembra Giliarde.

Presidente da Cafesul, Carlos Renato Theodoro, disse que a cooperativa ainda não comercializa café conilon com o selo da IG, mas a expectativa dele é promissora. “É mais um diferencial para os cafés conilon de qualidade”, acredita.

Jovens estimulados com a IG do café arábica das montanhas do Espírito Santo

Edmar e Igor

Igor Busato ajuda o pai Edmar na lavoura e na torrefação de café da família

Além do conilon, outras duas regiões produtoras de café do Espírito Santo foram reconhecidas com Indicação Geográfica. O café do Caparaó integra municípios capixabas e de Minas Gerais. Já o arábica das Montanhas do Espírito Santo é produzido em uma região com 16 municípios e já é reconhecido pela sua alta qualidade.

A responsável por emitir os selos que os produtores poderão usar em seus cafés é a Associação de Produtores de Cafés Especiais das Montanhas do Espírito Santo (Acemes), formada por dezenas de pequenos cafeicultores. Um deles é Edmar Busato e sua família, do município de Marechal Floriano.

Ele já conquistou mais de 30 premiações em concursos regionais e nacionais de cafés especiais. Entre os prêmios, Edmar, que é cooperado da Nater Coop, conquistou duas vezes a primeira colocação no concurso promovido pela Acemes, em que participaram apenas produtores que fazem parte da associação que gere a IG do café arábica das Montanhas do Espírito Santo. Em uma das vitórias, o café Busato obteve 92,75 pontos.

A família também beneficia os seus lotes especiais, entregando os grãos torrados e também o pó para clientes do Estado e de outras regiões brasileiras. O café verde, como são chamados os grãos antes da torragem, é enviado para diversas cafeterias brasileiras e chegou até em uma torrefação na Alemanha.

Edmar, Igor e Sônia

Igor e os pais - Sônia e Edmar - plantam, colhem e processam o café da família

O jovem Igor Busato, 24 anos, filho de Edmar, é o responsável pela torragem e comercialização dos grãos. Empolgado, o jovem já pensa em expandir os negócios da família. “Se fosse como antigamente, eu não estaria na propriedade. Vender café como comodities não compensa para quem produz nas montanhas. É preciso agregar valor. Esse reconhecimento que alcançamos hoje e a venda para o consumidor final me estimula a ampliar os negócios na propriedade”, afirmou Igor.

Edmar acrescenta que a IG também vai fazer com que mais produtores aumentem a qualidade de seus grãos, pois além de atender a regras ambientais, sociais e trabalhistas, o cafeicultor que quiser usar o selo da IG terá que ter um café de qualidade comprovada por especialistas.

TURISMO DE EXPERIÊNCIA – Além de agregar valor com a venda dos grãos torrados e moídos, a família já recebe grupos de turistas na propriedade. E eles já pensam no futuro, principalmente, após o reconhecimento da IG do arábica das montanhas.

“Já integramos o circuito turístico da região e nossa intenção e montar uma estrutura para receber o visitante, trabalhando com o turismo de experiência na propriedade, e também oferecer pousada. A IG vai ajudar muito, pois o cliente terá acesso ao rastreamento daquele café que ele estará consumindo e poderá querer conhecer a propriedade. A propaganda da marca arábica das montanhas vai contribuir ainda mais para o reconhecimento do nosso café”, revelou o jovem.

Busato encomenda

Mesmo na lavoura, Igor fica atento às encomendas que chegam por telefone

A coordenadora de Negócios de Base Tecnológica e Propriedade Intelectual do Sebrae Nacional, Hulda Giesbrecht, disse que entre as contribuições da IG estão a permanência de pessoas mais jovens na região para dar continuidade à produção, promovendo a sucessão familiar e evitando a migração para as grandes cidades e o aumento do fluxo turístico na região, por meio do turismo de experiência.

Christiane Barbosa e Castro, do Sebrae/ES, acrescenta que o aumento da procura pelos produtos e a visibilidade que a IG traz para uma determinada região faz com que mais pessoas passem a visitar aquele local como destino turístico. “Essa visibilidade pode atingir um município vizinho ou pode ultrapassar estados, regiões, e até mesmo outros países”, afirma.

Regras para usar o selo da IG do café arábica

Família Douro

A família Douro, de Marechal Floriano, vai usar o selo da IG nas embalagens dos cafés especiais

O caminho para o reconhecimento de uma Indicação Geográfica muitas vezes é longo e com desafios para comprovar a reputação do produto ou serviço. Entre as exigências estão a criação de uma governança eficaz, a delimitação da área geográfica, a elaboração do Caderno de Especificações Técnicas (CET), entre outros. O CET é o documento que define os parâmetros e particularidades do produto ou serviço, além das regras e dos mecanismos de controle dessa IG.

Para utilizar o sinal da IG no produto, não basta que o produtor ou prestador de serviço esteja estabelecido na área delimitada, mas ele precisa obrigatoriamente comprovar que atende aos requisitos do CET e que está sujeito ao controle.

O cafeicultor Thiago Douro, de Victor Hugo, distrito de Marechal Floriano, faz parte da diretoria da Acemes, responsável pela IG do café arábica das montanhas do Espírito Santo. Segundo ele, mesmo os produtores que não integram a entidade podem obter o registro, mas é preciso, além de estar em um dos 16 municípios da região, atender às regras, entre elas, questões ambientais, socioeconômicas, trabalhistas e de qualidade.

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A família coleciona prêmios conquistados em concursos de qualidade de café

Thiago e a família são referência em qualidade de cafés na região, tendo vencido dezenas de importantes premiações nacionais de qualidade. A expectativa dele é começar nos próximos meses a venda de seus cafés torrados e moídos com o selo da IG nas embalagens.

Ele explica que cada lote de café precisa ser provado por pelo menos quatro provadores para que o selo seja liberado. “Quando o produtor levar a amostra para provar, ele assina um termo confirmando que aquela amostra representa seu lote e também é preciso dizer em quantas sacas ele usará aquele selo. Em um outro lote, novamente a amostra precisa ser provada para comprovar a qualidade e só então o selo é liberado novamente. Não é uma obtenção para usar em toda a produção”, detalhou.

Thiago Douro

Thiago fez diversos cursos para conhecer mais sobre o café produzido pela família

O cafeicultor acrescenta que a intenção é cada vez mais fortalecer a credibilidade do arábica das montanhas. “A IG comprova a qualidade do café e cria uma segurança alimentar ao consumidor. Com certeza haverá uma agregação de valor para os cafés certificados, pois o mercado já procura por esses produtos com garantia”, enfatizou.

Evento conecta histórias e produtos únicos do Brasil em Gramado

Foto: Rafael Cavalli

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A feira com produtos de IG do Brasil é realizada na Rua Coberta de Gramado

Diante da importância das IGs para o Brasil, pelo segundo ano seguido o Connection Terroirs do Brasil, que será realizado em Gramado, na Serra Gaúcha, se tornará uma vitrine para a apresentação de Indicações Geográficas de todas as regiões brasileiras, entre os dias 28 a 31 de agosto.

Representantes de produtos com Indicação Geográfica poderão se qualificar nas palestras com especialistas, trocar experiências sobre o tema e ampliar o alcance de sua produção nas rodadas de negócios. A expectativa dos organizadores é de ter 50 expositores na Alameda Terroir, uma feira com produtos de IG que será montada na Rua Coberta de Gramado.

“Além do valor afetivo que temos com os produtos de origem, é uma grande satisfação ver que a certificação de Indicação Geográfica pode realmente fazer a diferença para os produtores e assim ampliar a cadeia de negócios daquela região. As certificações são, inclusive, um ativo para fomentar a produção turística de um destino. É uma verdadeira mudança de cultura”, explica a CEO do evento, Marta Rossi. O Connection Experience 2024 é realizado pela empresa Rossi & Zorzanello com correalização do Sebrae.