Café e abelhas: parceria que pode agregar R$ 22 bi anuais ao Brasil
Fotos: Gustavo Facanalli
Um estudo conduzido por cientistas da Embrapa Meio Ambiente (SP) e da Syngenta Proteção de Cultivos no Brasil investigou o impacto da introdução de colônias de abelhas manejadas em fazendas de café convencionais, focando nos efeitos sobre rendimento, qualidade e valor de mercado do café arábica. Os resultados revelaram que a polinização assistida pode elevar significativamente a produtividade e a qualidade do café, com potencial de aumentar a receita anual do arábica em até R$ 22 bilhões. A presença das abelhas aumentou a produtividade em 16,5%, passando de 32,5 para 37,9 sacas por hectare.
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Além disso, a qualidade do café, medida pela nota sensorial da bebida, subiu em 2,4 pontos, o que permitiu que alguns lotes passassem de grãos regulares para grãos especiais, elevando o valor da saca em 13,15%, ou cerca de US$ 25,40 por saca. Com isso, o estudo destaca o manejo de abelhas como uma ferramenta eficaz para aumentar a rentabilidade dos cafeicultores, ao promover melhorias na produção e no valor de mercado.
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Os pesquisadores também monitoraram a saúde das colônias de abelhas nativas sem ferrão, expostas ao inseticida tiametoxam, amplamente utilizado na cultura do café. A pesquisa teve a colaboração da Esalq/USP, AgroBee, UFRGS, Natural England e Eurofins e foi realizada entre 2021 e 2023 em fazendas de São Paulo e Minas Gerais, principais regiões de produção de café arábica no Brasil.
Este estudo inovador controlou a quantidade de abelhas manejadas, permitindo uma comparação direta entre áreas com e sem polinização assistida. Colmeias de abelhas africanizadas (Apis mellifera) foram posicionadas em uma extremidade dos talhões, enquanto a outra extremidade contou apenas com a polinização natural. O aumento no número de polinizadores não só incrementou a produtividade, mas também qualificou parte da produção como café especial, um mercado com valor agregado superior.
Para Cristiano Menezes, pesquisador da Embrapa e um dos responsáveis pelo estudo, os resultados demonstram o valor econômico da integração do manejo de polinizadores com a cafeicultura em larga escala. “O uso de abelhas manejadas apresenta uma clara oportunidade de ganhos econômicos, contribuindo para uma agricultura mais sustentável e eficiente,” comentou.
Como a polinização assistida pode transformar o setor cafeeiro De acordo com dados do estudo, os pesquisadores estimaram que, se todos os cafeicultores brasileiros adotassem a tecnologia de polinização assistida, o impacto na produção de café no Brasil seria substancial. Com base nos resultados obtidos e nas projeções da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) para a produção de 2024, a presença das abelhas poderia elevar a produtividade em 16,5%, o que representaria um incremento de 6,5 milhões de sacas, elevando a produção nacional para 46,1 milhões de sacas. O valor de mercado também sofreria um impacto relevante: o preço da saca de café alcançaria R$ 2.014,90, refletindo um aumento de 13,15%. Com isso, o mercado cafeeiro brasileiro poderia saltar dos atuais R$ 70,490 bilhões para R$ 92,919 bilhões, resultando em um incremento econômico de R$ 22,429 bilhões. Esses dados indicam que a polinização assistida é uma estratégia não apenas viável, mas essencial para impulsionar tanto a produtividade quanto a qualidade do café brasileiro. Além disso, ela fortalece a preservação dos polinizadores, essenciais para o equilíbrio dos ecossistemas e a segurança alimentar global. |
Polinização e controle de pragas: uma convivência possível
O estudo também analisou o impacto dos defensivos agrícolas na saúde das colmeias, focando no tiametoxam, um inseticida sistêmico muito usado no cultivo de café. A pesquisa envolveu seis propriedades que utilizam defensivos de forma convencional e duas fazendas orgânicas, avaliando três parâmetros de saúde das abelhas: produção de cria, mortalidade de larvas e atividade de forrageamento. As avaliações ocorreram em cinco momentos: antes da floração, logo após, e nos intervalos de 45, 75 e 105 dias.
Apesar de terem sido detectados resíduos do pesticida no pólen e no néctar coletados pelas abelhas, os resultados indicaram que as taxas de aplicação do tiametoxam, quando administrado via irrigação no solo, não afetaram a saúde das colônias. Isso sugere que é possível coordenar a polinização assistida com o controle de pragas, desde que o uso dos defensivos siga recomendações técnicas rigorosas.
Cristiano Menezes, pesquisador da Embrapa, destaca que a integração entre o manejo de colmeias e o uso controlado de defensivos é essencial para minimizar riscos aos organismos não-alvo. Embora a literatura científica discuta essas práticas, sua aplicação conjunta em campo ainda é rara, dificultando a tomada de decisões pelos agricultores e a criação de políticas públicas para proteger os polinizadores. “Nosso estudo interdisciplinar busca preencher essa lacuna, avaliando o impacto do manejo de abelhas na produtividade do café, fundamental para milhões de famílias rurais”, ressalta Menezes.
O pesquisador também enfatiza a importância de equilibrar o controle de pragas com a preservação dos polinizadores. “O produtor pode garantir a melhor polinização, mas, se pragas como broca-do-café, ferrugem ou bicho-mineiro não forem controladas, o esforço será em vão”, alerta. Segundo ele, a chave está no uso criterioso de defensivos, protegendo as plantações sem comprometer a saúde das abelhas.
Denise Alves, pesquisadora da Esalq/USP e coautora do estudo, acrescenta que os resultados incentivam os cafeicultores a adotarem práticas mais sustentáveis. “As abelhas formam um elo entre a agricultura e a conservação ambiental. Com o manejo adequado dos polinizadores e o controle eficiente de pragas, é possível reduzir a dependência de insumos externos e promover uma agricultura mais sustentável”, afirma.
SUSTENTABILIDADE E INOVAÇÃO – A adoção em grande escala da polinização manejada representa uma oportunidade promissora para o setor apícola no Brasil. Para cobrir toda a área plantada de café arábica, seriam necessárias aproximadamente 6 milhões de colmeias de abelhas africanizadas, considerando a densidade de quatro colmeias por hectare usada no estudo. No caso das abelhas nativas, esse número aumentaria para cerca de 15 milhões de colmeias. Isso abriria novas possibilidades para o crescimento da apicultura, promovendo uma interação benéfica entre a agricultura e a criação de abelhas, com impactos econômicos e ambientais.
Guilherme Sousa, fundador e CEO da AgroBee, conhecida como o “Uber das abelhas” por conectar criadores de abelhas com produtores rurais, destaca que “a polinização assistida em culturas como o café oferece atualmente o maior potencial produtivo sustentável a ser explorado na agricultura brasileira”. Essa prática não apenas maximiza a produção, mas também auxilia na conservação da biodiversidade, mostrando que a inovação agrícola pode ser uma aliada poderosa da sustentabilidade.
Jenifer Ramos, pós-doutoranda da Embrapa e coautora do estudo, reforça que a pesquisa traz dados sólidos para apoiar políticas agrícolas que conciliem sustentabilidade com alta produtividade. “O impacto dos polinizadores vai além da agricultura, influenciando o meio ambiente e a sociedade. Essa prática aprimora a qualidade do agroecossistema e traz benefícios econômicos para toda a cadeia produtiva”, afirma.
Ela enfatiza o caráter inovador do estudo, que, pela primeira vez, quantificou o impacto direto das abelhas manejadas na produção de café arábica em condições reais de campo. “Embora soubéssemos da importância dos polinizadores naturais, os resultados sobre a inserção de mais colmeias superaram nossas expectativas”, salienta.
Em um setor competitivo como o cafeeiro, práticas como a polinização assistida se tornam uma vantagem estratégica. “Além de incrementar a produção e a qualidade do café, essa tecnologia promove uma agricultura mais sustentável e responsável, beneficiando produtores, consumidores e o meio ambiente”, conclui.
Benefícios da polinização assistida na visão do produtor Gustavo José Facanali, engenheiro-agrônomo e produtor rural da Facanali Cafés, compartilha sua experiência positiva com a polinização assistida por abelhas. Cultivando 120 hectares em São Paulo e no sul de Minas, ele inicialmente era cético quanto à técnica, dado que a flor do café se autofecunda em mais de 80%. Participando de um experimento, porém, os resultados o surpreenderam. “Nas áreas onde introduzimos as abelhas, a produtividade aumentou 17%, de 110 para 128 sacas por hectare. Com o preço atual do café, isso representa um ganho de R$ 27 mil por hectare”, explica Facanali. Em sua propriedade, foram utilizadas abelhas-sem-ferrão da espécie Mandaguari, introduzidas sete dias antes da floração e mantidas na lavoura por 21 dias. “Durante esse período, evitamos intervenções na área, o que facilitou o manejo”, relata. Além de aumentar a produção, a polinização assistida também melhorou a qualidade do café, elevando a pontuação de 78-80 para 82 pontos. “Isso mostra que a polinização assistida não só aumenta a produtividade, mas também melhora a qualidade dos grãos.” Facanali ainda destaca a importância dessa tecnologia diante das mudanças climáticas. “Com o clima instável, temos enfrentado perdas na produtividade. A polinização assistida pode ajudar a manter a rentabilidade de forma sustentável”, observa. Convencido de que a prática tem potencial para outras culturas, ele conclui: “A polinização assistida é um caminho sem volta, provando que a colaboração entre agricultura e natureza traz grandes resultados. É uma solução sustentável que pode beneficiar toda a cafeicultura e outras áreas do setor agrícola.” |
Fonte: Embrapa Meio Ambiente
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