Como recuperar o cafezal após uma poda drástica?

Foto: Bruno Imbroisi

Pela primeira vez, cafeicultores do bioma Cerrado contam com recomendações técnicas para o manejo da lavoura após a recepa, a poda drástica aplicada em cafés arábica para recuperar a produtividade ou uniformizar as plantas.

Um experimento desenvolvido pela Embrapa Cerrados (DF) por cinco anos conseguiu determinar parâmetros importantes para a recuperação do desempenho agronômico e produtivo dos cafeeiros. Os cientistas descobriram que a irrigação com estresse hídrico controlado e a aplicação anual de 300 kg por hectare (ha) de fosfato são ideais para essa recuperação. Durante a pesquisa, as plantas que receberam o tratamento produziram grãos de boa qualidade química, atestada pelos teores de açúcares e proteínas encontrados. Até então, não havia uma recomendação específica para o manejo da adubação fosfatada e da irrigação para o cafeeiro recepado. O problema é que, devido à escassez de nutrientes no perfil do solo do Cerrado, principalmente o fósforo, fundamental para o crescimento e a reprodução das plantas, raramente os cafeeiros irrigados na região, que têm alta exigência nutricional, recuperam o potencial de produção e de qualidade de grãos após a recepa.

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Além disso, o transporte do fósforo no solo e a absorção pela planta envolvem níveis diferenciados de umidade.

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Responsável pelo estudo que avaliou diferentes formas de adubação fosfatada de manutenção e manejos hídricos, o pesquisador Adriano Veiga observou que as plantas retomaram melhor o crescimento vegetativo e produção de grãos no tratamento com 300 kg/ha de fosfato aplicados em superfície e irrigação com uso estresse hídrico controlado. Ele aponta que a estratégia de manejo de adubação fosfatada e de irrigação recomendada para o cafeeiro recepado, a partir desses resultados, coincide com a prática já adotada pelos produtores para as plantas adultas em diferentes áreas.

O que é recepa?

Um dos tipos de poda mais drásticos para renovação de cafeeiros da espécie arábica, a recepa é realizada quando ocorre a queda significativa da produção das plantas com o passar dos anos, ou quando a lavoura apresenta alta desuniformidade entre plantas. A longevidade da produção do cafeeiro pode variar conforme a variedade utilizada, a região e o manejo, alcançando oito, dez ou até 20 anos. 

Na recepa, a planta é cortada próximo ao solo, eliminando grande parte da copa, para que rebrote. “Quando o produtor faz a poda, a planta se renova e os ramos produtivos são corrigidos para recuperar o potencial de produção”, explica o pesquisador Adriano Veiga.

Análise de solo é fundamental

O cientista salienta que, tanto no caso das plantas recepadas como no das adultas, o produtor deve, a cada ano, coletar amostras de solo e de folhas para verificar os níveis dos nutrientes antes de aplicar o adubo fosfatado. “As análises laboratoriais de solo vão indicar a quantidade de adubo a ser aplicada, em setembro, que resulte nos dois terços iniciais da dose recomendada. No fim do ano, a análise foliar deve ser feita para verificar o quanto aplicar para completar o terço restante”, recomenda.

Apesar de ter sido gerada a partir de apenas uma cultivar, a recomendação se aplica às demais cultivares de café utilizadas em sistema irrigado no Cerrado. “A diferença, sejam elas tradicionais ou modernas, está na resposta à poda, principalmente de tipos mais drásticos”, justifica Veiga.

Melhor desempenho agronômico

Foto: Rafael Rocha

Durante os cinco anos de avaliação, os pesquisadores observaram o desempenho agronômico médio das plantas devido ao fator da bienalidade, intrínseco à cultura do café. O fenômeno fisiológico ocorre tanto em variedades arábica quanto em canéfora, alternando maior produção numa safra com menor na seguinte.

A maior produtividade média em função da adubação fosfatada, cerca de 50 sc/ha, foi observada no tratamento com 300 kg/ha de fosfato em superfície. Veiga observa que existe uma curva crescente de produtividade em relação às doses de fosfato na adubação do cafeeiro, mas que é preciso levar em conta tanto a questão econômica, considerando a relação entre a quantidade aplicada, a produção e o custo, como a do próprio adubo, cuja fonte para produção existe em quantidade finita na natureza. “É preciso haver uma limitação”, diz, acrescentando que ajustes nas formas de adubação estão em estudo por outros projetos de pesquisa, como a possibilidade de uso de adubos foliares, mais baratos, em complemento ao uso do fósforo no solo. 

Na análise isolada dos diferentes manejos hídricos, as produtividades foram semelhantes nos tratamentos com irrigação (cerca de 60 sc/ha em valores médios), sendo bem inferior no sistema de sequeiro (30 kg/ha), como esperado. No caso da irrigação com estresse hídrico controlado, há ainda a vantagem da uniformidade da floração e, em consequência, a colheita de maior quantidade de frutos no mesmo estádio de maturação, além da economia de água e de energia.

Estresse hídrico controlado

O estresse hídrico controlado é uma medida de manejo constituída pela suspensão da irrigação por 60 a 70 dias, no período mais seco e frio do ano, entre o fim de junho e o início de setembro, com o objetivo de uniformizar a floração e a maturação dos frutos. A medida permite, segundo estudos, economizar 33% da água e da energia utilizadas, reduzindo os custos de produção.

No caso de cafeeiros podados, esse manejo é aplicado no segundo ano após a poda, pois no primeiro ano as plantas ainda estão em recuperação de crescimento, formando uma nova copa com ramos produtivos.

Qualidade dos grãos é reflexo do manejo

Foto: Paulo Lanzetta

Qualidade dos grãos e questões sensoriais, em consequência do manejo, estão também entre as preocupações dos pesquisadores

A pesquisa também avaliou a composição química dos grãos crus. Nos tratamentos com irrigação (contínua e estresse hídrico controlado) e com maiores doses de adubo fosfatado, próximas a 300kg/ha anuais em superfície, foram encontrados os maiores teores médios de açúcares totais, que conferem a doçura, importante atributo de qualidade da bebida no café arábica, e de proteínas, responsáveis por diversos aromas. Também foram quantificados os teores médios de cafeína e de óleo, que responderam de formas diferentes aos manejos aplicados.

Nos grãos de plantas manejadas com estresse hídrico controlado e 300kg/ha anuais de fosfato em superfície, o teor médio de açúcares totais foi de 7% do peso do grão, sendo a sacarose o principal açúcar, representando 95% do total. Segundo a pesquisadora Sonia Celestino, o teor médio de açúcares totais para cafés arábica de boa qualidade de bebida varia de 6% a 9%. “Vimos como o manejo da cultura influencia no teor de açúcar dos grãos, carro-chefe de nossas análises. No manejo com 60 kg/ha de adubo e sem irrigação, o teor médio foi de apenas 3%”, compara.

O maior teor médio de proteínas também foi encontrado nos grãos de plantas manejadas conforme a recomendação gerada: 13,03% do peso do grão, sendo que nos grãos do café de sequeiro e adubação de 60 kg/ha anual o teor médio foi de 12,69%. Sonia explica que a diferença de 0,34 ponto percentual é estatística, porém muito pequena. “Em uma tonelada de grãos crus, isso representa 3,4 kg de proteínas”, observa.

Quanto aos teores médios de cafeína, substância que confere o amargor característico à bebida, não houve diferença significativa entre os diferentes tratamentos com adubo fosfatado. Já quando se analisou o manejo hídrico, os grãos de plantas com irrigação contínua e com estresse hídrico apresentaram valores próximos – 0,71% e 0,65% do peso do grão, respectivamente – enquanto no grão do café sequeiro ficou em 0,59%.

Já entre os percentuais médios de óleo, na produção de sequeiro com aplicação anual de 60 kg/ha de fosfato, foi observado o maior teor médio – 9,9% do peso do grão cru. Já nos grãos das plantas com a estratégia recomendada de manejo, o teor médio de óleo foi de 7,6%. O óleo é normalmente extraído dos grãos não aproveitados no beneficiamento e pode ser usado na indústria cosmética. “É claro que ninguém planta café pensando no óleo, que é obtido do refugo da lavoura”, lembra a pesquisadora, “mas ele é importante na questão sensorial, pois retém os aromas do café quando torrado”, acrescenta. 

Os pesquisadores ainda não encontraram uma explicação para esse resultado, mas análises sensoriais por provadores treinados deverão ser realizadas em outras pesquisas para verificar se a diferença de 2,3 pontos percentuais influencia na percepção dos aromas da bebida. Da mesma forma, os limites inferior e superior de cada característica química dos demais atributos de qualidade de bebida serão verificados quanto à percepção sensorial.

O experimento

Para estabelecer uma estratégia que combinasse o melhor manejo de adubação fosfatada com o melhor manejo hídrico de modo a recuperar o melhor potencial produtivo do cafeeiro recepado, garantindo ainda a qualidade física e química dos grãos, foi conduzido um experimento em Planaltina (DF) com cafeeiros da cultivar Rubi MG 1192. Foram avaliadas três formas de adubação fosfatada de manutenção e três regimes hídricos diferentes. 

Assim que o café foi colhido, as plantas, que já tinham dez anos de cultivo sob pivô de irrigação, foram recepadas. Os pesquisadores passaram então a avaliar a interação entre o manejo da irrigação e o do fósforo, presente no adubo fosfatado, visando à combinação mais favorável ao desenvolvimento do cafeeiro. 

As plantas foram submetidas a três formas de adubação fosfatada de manutenção – 60 kg/ha de fosfato em dose única anual em setembro, aplicado na superfície; 300 kg/ha de fosfato em dose única incorporado ao solo no primeiro ano do experimento, recebendo em superfície nos anos seguintes dois terços em setembro (fim do período seco) e um terço em dezembro (período chuvoso e de pleno crescimento das plantas); e 300 kg/ha de fosfato anualmente parcelados dois terços em setembro e um terço em dezembro, na superfície do solo. 

Os três regimes hídricos utilizados no experimento foram a irrigação suplementar constante, com turnos de regas baseados no software Monitoramento de Irrigação; a irrigação com os mesmos turnos de regas indicados pelo software, porém com aplicação de estresse hídrico controlado; e o sistema de sequeiro (sem irrigação), que apesar de não ser recomendada para o Cerrado, foi utilizada para comparação.

Fonte: Embrapa

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