Pecuária Neutra e Regenerativa alia produção e sustentabilidade
Bruno Faustino
A fazenda Triqueda, localizada em Minas Gerais, é, atualmente, referência mundial em pecuária neutra e regenerativa. Recentemente, foi relacionada uma por publicação internacional como uma das 28 propriedades inovadoras que estão moldando o futuro das proteínas no mundo. Mas qual o seu diferencial? Por lá, Leonardo Resende cria Brangus (gado proveniente do cruzamento da raça taurina britânica Aberdeen Angus com a raça zebuína Brahman) em um Sistema Silvipastoril, que integra gado com florestas para compensar as emissões de gases de efeito estufa do animal e preservar a água e o solo.
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Leonardo tem 44 anos, é formado em Administração de Empresas e Phd em Conservação Ambiental e Desenvolvimento Sustentável.
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É co-fundador da Pecuária Neutra. Ele conversou com exclusividade com o Portal Negócio Rural sobre os desafios e as conquistas já alcançadas pelo projeto no Brasil e as perspectivas futuras. Acompanhe:
Revista Negócio Rural – Como tudo começou e como você conheceu e se envolveu com a Pecuária Neutra?
Leonardo Resende – Eu me formei em administração e fui para o Rio de Janeiro trabalhar numa indústria fóssil. Eu era novo, recém formado, e achava que o caminho numa multinacional poderia trazer estabilidade. Passados alguns anos, eu não tinha tanta empatia com o valor, a cultura e o ramo de atividade. Fui tentando levar, mas não tinha o mesmo olhar sobre a profissão. Minha mãe tinha uma fazenda em Minas Gerais que estava “meio decadente” como todas as fazendas da região, que depois da mecanização foram abandonas. Mas nós tínhamos um diferencial: estávamos do lado da Embrapa Gado de Leite. Decidi, então, largar tudo para trabalhar na propriedade. É uma fazenda média para pecuária, em torno de 400 hectares, sendo que tem muita área de reserva legal, o que daria para 300 cabeças de gado e não daria para sustentar duas famílias – a minha e a da minha mãe. E a gente foi procurar uma atividade para aumentar a renda e produzir dois produtos no mesmo espaço ao mesmo tempo e aí veio a transferência de tecnologia da Embrapa com o Sistema Silvipastoril. Por incrível que pareça, o que era para produzir só dinheiro, e que trouxe – a renda triplicou – veio um grande pacote de serviços ambientais como cereja do bolo. As árvores melhoraram o clima, aumentaram a produtividade dos animais, diminuíram a temperatura, aumentaram a quantidade de carbono no solo, com isso, tivemos ainda uma maior absorção de água e assim sucessivamente.
Fotos: Divulgação
Como o Sistema Silvipastoril contribuiu para o Projeto Pecuária Neutra?
Leonardo Resende – A Integração Lavoura Pecuária e Floresta é uma grande ferramenta. Tivemos grandes avanços por meio dela. A gente costuma dizer que subimos degraus numa escala evolutiva até chegarmos ao sucesso na Pecuária Neutra: o plantio direto é um deles – a gente parou de remover solos -, a aplicação de herbicida de forma mais eficiente (sem excessos)… e o ILPF é um passo nesta escala. Tudo que você concilia aumento da produtividade e fixa mais carbono você está evoluindo nesta caminhada.
É possível comparar a Fazenda Triqueda antes e depois do projeto de Pecuária Neutra?
Leonardo Resende – É impressionante a quantidade de verde que tem que na fazenda. Se você olhar os mapas digitais da nossa região, você verá que, ao nosso redor, a vegetação é toda bege, que são áreas de média produtividade e aqui você vê árvores, o pasto verdinho, há muita diferença. De longe, se você olhar, vai achar que é mata nativa. É claro que, juntar braquiária (pasto) e eucalipto, que é o nosso caso, é uma coisa muito simples para você pensar num sistema agroecológico pleno, mas é o que eu falo, se é pouco, é um primeiro passo e um passo importante porque já neutraliza os gases de efeito estufa dos animais e já incorpora os outros serviços ambientais.
Muito tem se falado sobre as emissões de gases de efeito estufa provocadas pela pecuária, mas, com a pecuária neutra, é possível compensar esses problemas ambientais?
Leonardo Resende – Hoje, existe uma série de ferramentas para você melhorar o manejo destes animais. A gente tem que tentar entender o papel do herbívoro ao longo do tempo – eu estou falando de 8 bilhões de vida da terra. Eles eram considerados os jardineiros dos campos nativos, mantendo a vitalidade das pastagens. Eram sazonais e nômades, então, ao se deslocarem, eles tinham a oportunidade que as áreas deixadas para trás se regenerassem com o tempo. O problema é a forma como o homem lida com o boi. A gente tem grandes problemas ambientais no que tange tudo o que o homem faz: como ele se desloca, como ele compra, como ele come…. Existem duas maneiras do herbívoro quebrar a molécula do capim e tirar o nutriente para a vida desse animal, para o desenvolvimento dele. Alguns tem estômago. E, igual ao homem, possuem um ácido no sistema digestivo para ajudar na digestão. Já os bovinos e os caprinos têm o rúmen: um estômago primata, que não se desenvolveu. Ele é como uma câmara de gás, uma espécie de autoclave (entra o capim, libera o gás metano, o gás metano quebra a molécula do capim em proteína – transforma o carboidrato do capim em proteína – e, como o capim vai e volta na boca, o gás é exalado como subproduto da digestão, assim como todos nós, seres humanos, exalamos CO2 como subproduto da respiração. Se você fixar carbono adicional no solo suficiente para compensar as emissões de gases de efeito estufa dos animais você está neutralizando essa emissão. A pegada ecológica da emissão de gás de efeito estufa da pecuária, através do metano entérico – que é o gás de efeito estufa da digestão – ela é muito elevada. É a segunda do setor, perdendo somente para desmatamento e queimada. Só que a gente tem uma grande oportunidade de compensar isso. A nossa pecuária é a pasto, não confinada – a maioria da pecuária brasileira é feita em área extensiva – e, essas áreas, se bem manejadas, elas podem fixar carbono e neutralizar essas emissões.
Você acredita que o Projeto Pecuária Neutra será uma tendência?
Leonardo Resende – Todo o grupo de pesquisadores que apoia a pecuária regenerativa e neutra acha que será um dos maiores tiros de curto prazo para fixar carbono – tirar carbono da atmosfera e colocá-lo no solo de maneira segura – é o manejo adequado desses animais. Não tem custo em reforma de pastagem ou uso de uma nova tecnologia… E os resultados logo aparecem. É claro que tem um investimento técnico e uma orientação para que o produtor tenha um olhar que vai além do animal, além do boi. O pecuarista entende muito de genética, de cruzamento, peso de nascimento, abate, mas ele precisa desenvolver uma leitura da forragem, do solo, da microbiologia, da água, do carbono e administrar todo esse microecossistema produtivo. Isso se chama manejo holístico da pecuária regenerativa. É uma forma da gente ajudar as mudanças climáticas no Brasil
Como o Brasil está quando pensamos e falamos em Pecuária Neutra?
Leonardo Resende – Ainda estamos engatinhando. São poucas pessoas que atuam nesse tipo de pecuária. Nossas pastagens apresentam índices abaixo do potencial. Tudo isso, devido ao pastoreio contínuo (não há rodízio de pastagem), erros na taxa de lotação, na formação dos pastos (utilizando arado, revolvendo a terra, declividades…). Mas, se a foto de hoje não é tão boa, pouca coisa que a gente arruma neste manejo, vamos dar um grande salto no sequestro de carbono. Se fizermos o dever de casa direitinho, temos condições de sequestrar toneladas e toneladas de carbono da atmosfera.
A Fazenda Triqueda foi indicada por uma renomada publicação especializada como uma das 28 mais inovadoras que estão moldando o futuro das proteínas no mundo. Um reconhecimento e tanto. Como foi receber a notícia?
Leonardo Resende – Esta última notícia foi muito celebrada e nos compara com grande players do mundo. Estamos há 15 anos sendo 10 voltados para sustentabilidade. Foi uma surpresa, uma grata surpresa. Temos publicações científicas, dois produtos no mercado, três pesquisa… Colocamos a carne no mercado com selo de certificação, em 2016. O leite, em 2018, e a madeira, também em 2018. Nossa produção é toda exportada. Esta é uma grande possibilidade de discutir se a sustentabilidade agrega valor ao produto. E eu digo que, só o marketing que a gente ganha já vale cada esforço. Nós já melhoramos a produtividade e a renda por hectare na fazenda e conseguimos uma harmonia na biodiversidade. Realizamos uma pesquisa para contar quantos indivíduos a gente teria 20 cm abaixo do solo até a altura da forragem. Na pecuária degradada, que é a realidade da região, encontramos dois (cupim e formiga). Na pecuária produtiva em monocultura encontramos cinco insetos (além do cupim e da formiga, já achamos minhoca e besouro). Já no Sistema Silvipastoril encontramos nove, entre eles, joaninha, borboleta… Por mais simples que seja, com a braquiária e o eucalipto a gente teve uma biodiversidade quatro vezes mais que a média da região e, se a gente vê a fazenda como um todo, você tem área para que as aves possam voar e parar no meio do vôo, que o pequeno roedor possa ter um caminho livre de um predador… Então, você passa a ter uma ambiência mais favorável para toda essa microbiologia.
O que podemos esperar da pecuária neutra no Brasil?
Leonardo Resende – O futuro, até hoje, a gente conseguiu com árvores, com o Sistema Silvipastoril. O nosso maior desejo, quando a gente olha para os Estados Unidos, Europa, África, é que seja diferenciada carne a pasto de carne confinada e, junto com o rótulo carne a pasto, a gente possa entender que este é um sistema produtivo mais harmônico, mais eficiente e mais equilibrado. Toda vez que você coloca muito ‘input’ na sua agricultura, ou seja, fertilizante, maquinário, confinamento e silagem, você está trazendo mais subsídios fósseis para seu produto. Se você faz isso num campo aberto e com um manejo correto, você está conseguindo ter serviços prestados ali. Então, acho que o futuro é evoluir essa Pecuária Neutra a pasto sem a necessidade do Sistema Silvipastoril e começar a mensurar os serviços ambientais. O sonho seria ter na carne um rótulo igual a tem na geladeira de consumo de energia com uma tabela A, B e C e um gradiente de cores, onde a gente teria o produto mais eficiente e menos eficiente do ponto de vista do consumo de energia e uma classificação ambiental, o que ficaria uma legenda fácil para o consumidor ler, para indústria comprar e para a cadeia produtiva se estabilizar.
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