Fotos: Acervo Pessoal
Bruno Faustino – Taquaritinga do Norte / PE
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Produzir respeitando a natureza, será que isso é possível? A resposta para esta pergunta vem do Agreste de Pernambuco, do município de Taquaritinga do Norte, distante 184 quilômetros de Recife. Lá fica uma fazenda bem diferente das tradicionais.
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“A gente só faz aqui o que o pessoal já faz há gerações, que é a policultura diversa. E aqui tem um pouco de tudo: fruteiras, árvores, café e muitas outras culturas. O nosso trabalho aqui é cultivar, preservar a natureza de forma orgânica, ecológica e viver disto”, diz a empresária Tatiana Peebles, 51, proprietária da fazenda.
A Revista Negócio Rural viajou até o Nordeste Brasileiro para conhecer o Yaguara Ecológico. “Yaguara é mais que uma marca, é um estilo de vida. A gente vive isso na pele, é o nosso dia a dia. O nosso ritmo é o ritmo das árvores, da terra, do solo, e vivemos aqui na tranquilidade e na paz”, completa a empresária.
PIONEIRISMO –A ideia de produção ecológica partiu do empresário norte-americano David Peebles, 79, em 1978, durante uma viagem pelo interior de Pernambuco. “Meu pai viu a Serra da Borborema, onde está localizada Taquaritinga do Norte, subiu aqui, se encantou com a Mata Atlântica e disse: ‘é aqui que eu quero meu pedacinho de chão!’ e comprou os primeiros quatro hectares. E não saiu mais daqui”, conta Tatiana.
Numa volta rápida pela propriedade, que conta, atualmente, com 150 hectares, encontramos com o pai da Tatiana, um ser humano inspirador e repleto de conhecimento.
“Eu não acordei e de uma hora pra outra decidi produzir assim. Foram dias, anos tentando entender o que seria o melhor. Com isso, levou uns 20 anos para cair a ficha, e perceber que somos uma policultura ecológica, já que trabalhamos com uma biodiversidade. Aqui nós plantamos culturas consorciadas e fazemos um balanceamento entre elas, porque para você ser sustentável, você tem que ganhar dinheiro. Então, aqui temos cajá, manga, abacate, verduras, café, porcos… Nós temos aqui 26 tipos de frutas, e todas elas dão retorno para a propriedade”, explica o idealizador David Peebles.
Mas não foi fácil convencer os agricultores da região de que a ideia trazida pelo norte-americano para o agreste pernambucano daria certo.
“Fui chamado de doido. Ninguém acreditava que era possível produzir respeitando o ciclo da natureza. Quando cheguei aqui, a primeira coisa que implantamos foi a criação de suínos. Mas eu não entendia de solo, do mercado de café, de nada. Então foi uma luta”
David Peebles – empresário
Segundo ele, grande parte do sucesso do agronegócio hoje está na capacitação de pessoas. “Se eu não sei, eu preciso aprender e gostaria de aprender mais. Você tem que ter curiosidade, tem que ser aberto a novas ideias e aplicar, experimentar. Não adianta só ler livros, tem que testar, e foi o que fizemos aqui. Aprendemos, testamos até que chegamos ao resultado que temos hoje”, destaca o empresário.
O modo de agricultura aplicado na fazenda hoje é exemplo para muita gente de várias regiões do Brasil. “As pequenas famílias devem apostar na policultura diversa ou sistema agroflorestal. É fácil, funciona, é muito melhor que a monocultura, tanto que o nosso foco não é quantidade, mas sim qualidade”, frisa David Peebles.
Primeira variedade de café brasileira resiste até hoje no interior de Pernambuco
O café arábica, conhecido como Típica, Nacional ou Crioula, foi o primeiro a chegar ao Brasil, em 1727, vindo de arbustos da Guiana Francesa que, por sua vez, haviam sido plantados com sementes provenientes da Holanda. Hoje, considerada uma espécie rara, mas que resiste em fazendas do agreste pernambucano, como na Yaguara.
“O arábica típica’ é uma variedade muito antiga aqui na região. Ela precisa de altitude e também de sombra. Isso é o que favorece a produção de grãos de qualidade. Nós estamos há mil metros de altura e temos este sombreamento natural da Mata Atlântica que protege dos raios solares. Um ambiente perfeito para ela”
Tatiana Peebles – empresária
ORGANISMO – O sistema produtivo da propriedade funciona como o corpo humano. Cada cultura está integrada à outra e, juntas, dão sustentação ao conceito de policultura diversa.
“Se você vê a propriedade como um organismo, com saúde, podemos dizer que temos uma produção orgânica, não no sentido econômico da palavra, mas no sentido funcional. O que as pessoas fazem hoje e chamam de orgânico é meramente um título dado por algumas instituições que seguem protocolos de produção, de não usar isso, ou não usar aquele produto. Aqui não. Aqui o sentido da palavra orgânico vai além de títulos e certificado, mas um sentido vital de produção. As culturas precisam ser saudáveis, as pessoas que trabalham nelas também, o ambiente também, e assim sucessivamente”, pontua o idealizador da fazenda, o norte-americano David Peebles.
Para garantir a qualidade dos grãos do pé à xícara, um cuidado é fundamental: coleta seletiva (um a um). Só os grãos maduros vão para a secagem. E nem adianta perguntar quantos pés de café têm na propriedade e a expectativa de safra porque eles não sabem. “Contar pé de café aqui é igual a contar grão de areia na praia. Plantamos todos os anos. Tem grão que cai no chão, brota e nasce. Ninguém aqui está preocupado com a quantidade, mas sim com a qualidade”, expõe Tatiana.
O beneficiamento do café Yaguara também é diferenciado e acontece na propriedade. O sucesso rendeu algumas premiações nacionais. O segredo está no aroma extraídodos grãos, como de frutas vermelhas e chocolate.Para quem gosta de café, a torrefação artesanal é um verdadeiro paraíso. O cliente tem a opção de escolher se quer torra média ou escura e os pacotinhos de 250gramas são divididos em grãos ou em pó.
“A pessoa toma um café e não tem ideia da cadeia e do tempo que existe por trás daquela xícara. Você planta um grão de café, são nove meses para a muda ir para o campo, três anos para o primeiro fruto, cinco anos para entrar realmente em produção, são dois meses de colheita, 135 dias de beneficiamento, 12 minutos para torrar e, enfim surge o café na xícara. Então, é um processo de muitos anos”, enfatiza a empresária.
Presunto do Agreste é disputado por restaurantes de todo o Brasil
Quem aí nunca ouviu falar no famoso e tradicional presunto Pata Negra? É um tipo de presunto curado produzido, principalmente, na Espanha e em Portugal, baseado no porco preto ibérico, que também se designa como porco de pata negra ou porco de raça alentejana.
As principais características que distinguem os presuntos ibéricos pela qualidade provêm da pureza da raça dos animais, da criação em regime extensivo de liberdade em montados arborizados, onde os animais se movem livremente, e o processo de cura, que se estende dos 8 aos 36 meses, sendo tanto mais demorado quanto maior a peça e a quantidade de bolotas (um fruto produzido pelo carvalho e nomeadamente pela azinheira e pelo sobreiro que pertencem à família dos carvalhos) que o porco ingeriu.
E não é que em pleno agreste pernambucano existe um presunto tão bom quanto? “Não gosto de comparar, mas costumo dizer que esse presunto é o presunto da Serra Taquara. Cada presunto tem as suas próprias características. O Pata Negra é uma variedade de porco, já nós trabalhamos com outra variedade, mas ele come em vez da bolota, a castanha de caju. Nesse ponto os produtos se assemelham”, revela Tatiana Peebles.
A produção artesanal caiu na graça de renomados chefs brasileiros, entre eles André Mifano e Claude Troisgros, além de Jefferson Rueda, da Casa do Porco, em São Paulo. Chefs pernambucanos como Claudemir Barros e até mesmo o chef Pablo Pavón, do Soeta, em Vitória (ES), recebem o presunto Yaguara.
SOMBRA, MÚSICA E ÁGUA FRESCA – O que garante a qualidade do presunto do agreste é o tratamento dado aos animais: frutas, banho, chamego, aconchego e música para relaxar. Caixas de som foram espalhadas próximas às baias dos animais. E todos eles têm horário para passear pela propriedade. “Fazemos um contrato com os animais: cuidamos bem deles para que eles nos deem no futuro uma carne de qualidade. Queremos que eles tenham uma boa vida, em vida, literalmente”, explica a empresária.
E sobre as músicas, os estilos são os mais variados: vai de New Orleans ao repente nordestino. “A gente tinha uma porca que adorava Frank Sinatra. Era tocar no ‘radinho’, que ela ficava de pé para ouvir”, lembra.
Preservação: uma preocupação para as próximas gerações
O sonho de produzir respeitando a natureza virou realidade e o futuro tem nome: Fazenda Conceição – propriedade vizinha ao Yaguara Ecológico, que será transformada em Centro de Educação Ambiental e Gastronômico.
“Este lugar já passou pelas mãos de muitas pessoas, mas, quando a compramos, tinha mato de seis metros de altura e começamos a trabalhar as árvores que existiam aqui e, agora está lindo. A gente quer que as pessoas venham para cá, conheçam e que se sintam bem aqui”
Tatiana Peebles – empresária
A ideia é construir um Instituto para fins educacionais para a população. “Temos a pretensão de ensinar tudo o que sabemos: ensinar a cozinhar, a abater, e que venham cozinheiros, para que a gente possa mostrar o que tem de melhor aqui em Pernambuco”, finaliza. É a filosofia Yaguara rompendo fronteiras, um projeto de vida fonte de inspiração pra muita gente.